Belo humano, mas nem tanto assim: Por Casilda Souza e Eliana Santos

Em época de pandemia, as redes sociais estão em alta como nunca. Rapidamente naturalizou-se todo tipo de conteúdo, proveitoso ou não, e “tudo ao alcance da mão”. Com a mesma rapidez, elas também têm “graduado” muita gente, da noite para o dia, em filosofia, psicologia, ciências sociais, economia, jornalismo, especialistas em saúde, teologia e tantas outras.

Observa-se um fenômeno interessante em grupos de WhatsApp nesses tempos pandêmicos: o aumento vertiginoso do número de espiritualistas com suas mensagens de paz e de transformação da humanidade – como que por um encanto – tão logo passe a pandemia. Conclamam o amor ao próximo, o equilíbrio, o respeito às diferenças e à bondade. No entanto… basta uma notícia desfavorável sobre um desafeto, bandeira ideológico-partidária adversária ou ainda a simples opinião contrária em assunto de qualquer espécie para cair por terra toda aclamação à concórdia e à harmonia e atirar-se em uma enxurrada de hostilidades por meio de vídeos, memes, mensagens e rótulos ofensivos de toda sorte e natureza. Comemorar o mal alheio já não parece pouco nobre e nem muito contraditório ao discurso de pacificação e respeito. Zero diálogo ou direito de resposta ao agora “inimigo” para completar o conjunto; NOT reação para você. Assim mesmo, no estilo “bem democrático”.

Poderíamos explicar esse paradoxo nos valendo do fato de que nossos instintos fazem parte das nossas reações mais básicas. O princípio evolucionista nos indica que as partes cerebrais envolvidas no processamento da emoção são muitíssimo mais antigas e mais rapidamente acessadas do que as da razão. Por isso nossas reações e decisões são primariamente emocionais. Refletir para tomar decisões é mais custoso e demorado. O que desafia a racionalidade tão requerida e tão cara ao pensamento ocidental.

O que pode explicar melhor esse pseudomisticismo emergente é uma velha conhecida da humanidade que nunca tira folga: a hipocrisia. Que sempre esteve aí, mas nunca reinou tão desvelada e absoluta como agora.

O outro deve se tornar melhor; o outro deve respeitar as opiniões e diferenças; o outro tem que ser pacífico; o outro precisa amar mais… sempre o outro. O outro é o problema que precisa ser consertado urgentemente. Requerer uma mudança de mundo de fora para dentro, em quê, quem deve mudar é o outro e não o eu, é uma das mais visíveis expressões de imaturidade emocional e espiritual! É o reflexo da incapacidade de olhar para si, enxergar as próprias mazelas e reagir para mudá-las. Projeta no outro o que é seu e crê na ilusão de não estar a descoberto! Evidência do individualismo narcisista que macula nosso tempo. O coração que “fala do que está cheio” é o nosso próprio coração. O que há em mim, nesse sujeito vivente, que precisa corajosa e urgentemente ser revisto? Não há como ser sujeito sem o outro.

Talvez devamos ser gratos aos grupos de WhatsApp da vida por ajudar a derreter a cera que sustentava nossas máscaras, antes muito bem solidificadas, e nos revelar que somos magnânimos, mas nem tanto assim.

Com agradecimentos à Profª. Drª. Adriana Rodrigues e à psicóloga Mirna Nascimento.