DIREITO E CIDADANIA: Julgamento das contas do Chefe do Poder Executivo

É comum ouvirmos pelas ruas que compete aos Tribunais de Contas e não as Câmaras Municipais decidir sobre as contas do Chefe do Executivo. Inclusive o questionamento aumenta quando o Tribunal de Contas emite um parecer e a Câmara se posiciona contrário ao entendimento emitido. Afinal de contas quem é competente para julgar as contas do Chefe do Poder Executivo?

O Poder Legislativo possui a função principal de elaborar leis, ou seja, a de legislar. Todavia, cabe as Câmaras Municipais as funções secundárias de fiscalizar e julgar as contas do chefe do Poder Executivo. O art. 31 da CF é expresso em dizer que a fiscalização do Município será exercida pelo Poder Legislativo, no mesmo sentido o art. 89 da Constituição do Estado da Bahia e o art. 59 da Lei de Responsabilidade Fiscal.

De fato, não existem dúvidas quanto à competência originária das Câmaras Municipais no processo de julgamento das contas dos Chefes do Poder Executivo, isto considerando os atos de gestão e de governo; hoje, com entendimento pacificado no STF, após julgamento dos processos RE 848.826 e RE 729.744, em sede de repercussão geral “Competência para julgar contas de prefeito é da Câmara de Vereadores, decide STF” (Portal de notícias STF – www.stf.jus.br). Com efeito, é o entendimento firmado no RE 848.826, de relatoria do Min. Ricardo Lewandowski, quando diz: “que é exclusivo da Câmara de vereadores a competência para julgar as contas de governo e de gestão dos prefeitos”. Este entendimento é confirmado na doutrina da professora Maria Zanella Di Pietro, quando diz: “A Câmara Municipal possui o encargo fiscalizador do município, funcionando como controle externo Executivo” (In: Tratado de Direito Municipal, Ed. Fórum, Belo Horizonte, 2018, pág. 235).

Os Tribunal de Contas, por sua vez, assumem um papel de preponderância na formatação de um Estado regulador e gerencial, expresso no controle e na transparência de todo ato público, sobretudo, na prestação das contas públicas, a necessidade de sua fiscalização. O texto constitucional nomeia os Tribunais de Contas como órgão de controle e auxiliar do Poder Legislativo, nos termos do art. 31, §1° da CF e art. 89 da Constituição Estadual da Bahia. Neste sentido, incumbe dizer que a Lei Complementar Estadual n° 6/91, confirma expressamente o TCM BA, como órgão de auxílio do controle externo a Cargo das Câmaras Municipais, onde o inciso I revela que compete ao TCM: “apreciar as contas prestadas anualmente pelo Chefe do Poder Executivo e Legislativo municipais, mediante parecer prévio”

Nesta linha, o artigo 31, § 1º, da Constituição Federal dispõe que o Município será fiscalizado, mediante controle externo, pelo Legislativo Municipal que, para tanto, será auxiliado pelos Tribunais de Contas. O § 2º do aludido dispositivo legal, por sua vez, estabelece o quórum qualificado de dois terços dos membros da Câmara para que esta modifique o parecer prévio sobre as contas prestadas pelo Prefeito.

Em se tratando de contas do Chefe do Poder Executivo (Federal, Estadual ou Municipal), o Tribunal de Contas apenas aprecia, emitido parecer prévio, que, em seguida, passará pelo crivo do Poder Legislativo. Trata-se de uma análise técnico-administrativa, não se revestindo, portanto, neste caso, de cunho decisório. Neste passo, é o entendimento firmado no Acórdão proferido nos autos do RE 729.744, em repercussão geral, que teve como Relator o Exmo. Ministro Gilmar Mendes: “o parecer técnico elaborado pelo Tribunal de Contas tem natureza meramente opinativa, competindo, exclusivamente, à Câmara de Vereadores o julgamento das

contas anuais do Chefe do Poder Executivo local, sendo incabível o julgamento ficto das contas por decurso de prazo.”

Nisto, entendemos que o parecer emitido pelos Tribunais de Contas ante a avaliação das contas do Chefe do Poder Executivo se revela no ato administrativo técnico de natureza apenas enunciativa e opinativa, não possuindo a obrigatoriedade de vincular ou de impor seu entendimento à decisão das Câmaras Municipais. Assim, a Câmara não é obrigada a acatar o entendimento firmado no parecer, podendo decidir contrário, com a manifestação de um quórum qualificado de 2/3 de seus membros.

Nesta linha, vale pontuar o posicionamento do TCM BA – por meio da Assessoria Jurídica, autos do processo nº 05808e18, quando revelou que: “entende esta Unidade Jurídica que o papel constitucional deste Tribunal de Contas se encerra com a emissão de parecer prévio sobre as contas prestadas anualmente pelo Chefe do Poder Executivo Municipal, prevalecendo o entendimento consolidado pelo Supremo Tribunal Federal, de que tanto as Contas de Governo como as Contas de Gestão dos prefeitos é de competência das Câmaras Municipais”

Da mesma forma, o TCM BA emite entendimento, por meio da Assessoria Jurídica, nos autos do processo n° 07112e18 e parecer n° 01383-18, confirmando a competência das Câmaras Municipais no julgamento das contas do Chefe do Poder Executivo, cabendo aos Tribunais de Contas apenas à emissão de um parecer de natureza recomendatória opinativa, assim vejamos: “O papel dos Tribunais de Contas, no que se refere às contas prestadas pelo Chefe do Poder Executivo, limita-se apenas à sua apreciação técnica, com cunho opinativo, sendo o seu julgamento atividade típica de controle externo a ser exercido pelo Legislativo”.

É importante também dizer que não cabe ao Poder Judiciário invalidar a decisão de mérito da Câmara Municipal analisando o aspecto material. Neste ambiente, se encontra pacificado o entendimento de que só cabe ao Poder Judiciário analisar o aspecto formal atinente ao processo administrativo que envolve o julgamento das contas do Chefe do Poder Executivo, no âmbito das Câmaras Municipais, ante a observância do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa e do quórum qualificado. Não se permitindo ao judiciário invalidar a decisão de mérito em si, ou seja, na análise da conveniência e oportunidade se foi mais técnica ou mais política. A decisão de mérito da Câmara Municipal é soberana quando chancelada pelo quórum de 2/3 de seus membros. Segundo entendimento do STF, os julgamentos de contas revestem-se de caráter definitivo, não competindo ao Poder Judiciário adentrar o mérito das decisões para modificá-las.

Pelo exposto e não querendo adentrar nos reflexos das decisões de mérito das Câmaras Municipais atinentes às questões de inelegibilidade e seus aspectos, restou devidamente comprovado que o julgamento das contas do Chefe do Poder Executivo é de competência exclusiva das Câmaras Municipais, cabendo, tão somente, aos Tribunais de Contas emitir parecer técnico-administrativo opinativo sem caráter vinculante à decisão do Poder Legislativo, que, poderá, discordar contrariando o entendimento firmado no parecer pelo o voto de 2/3 de seus membros. Os Tribunais de Contas não tem competência para desfazer ou anular a decisão de mérito das Câmaras Municipais – decisão esta que se torna soberana, não cabendo nem ao Poder Judiciário invadir a competência do Poder Legislativo para analisar o aspecto material da decisão, mas, tão somente, o aspecto formal, conforme posição do STF. É o entendimento.

Jean Roubert

Advogado e professor de Direito Constitucional e Administrativo da UNEB

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